quinta-feira

Confissões de um publicitário impotente*

Para se ser publicitário, como noutras profissões da vida, tem que se ter o que no Brasil, sem o mínimo pudor, se chama “Tesão”. Um criativo publicitário tem que ter tesão. Para ele, as folhas de um briefing devem ser uma Angelina Jolie seminua a piscar o olho e a chamando sensualmente com o dedo indicador (para as criativas seria um Brad Pitt). E nós temos que nos atirar para cima delas, explorar cada milímetro, partir pedra e loiça, fazer maravilhas usando a imaginação. Mas hoje, quando duas novas folhas caíram em cima da minha mesa, eu não senti aquele impulso animal e primitivo. O meu dupla percebeu a minha falta de apetite - E aí Portugo, brochou? - Podia ter dado uma desculpa, o cliché habitual entre parceiros “estou com dores de cabeça”. Mas não, preferi suspirar um curto e sincero: - Hoje não dá. A culpa nem era do briefing, uma Nicole Kidman fogosa sorrindo para mim. Era minha, do dia, sei lá. Não foi a primeira vez que aconteceu, muito menos será a última e também não é um problema que mereça a consulta de um especialista. Todos os publicitários padecem do mesmo, temos dias em que simplesmente não conseguimos intumescer a mente compreendem? Nem mesmo com uma Nicole Kidman. E nessas alturas gostava que a indústria publicitária fosse um pouco mais próxima da indústria pornográfica onde os actores têm duplos. A sério, uma vez vi um documentário (sim porque o meu interesse em pornografia é meramente informativo) que existem duplos de actores porno. O que eles fazem? Bem, sabem aqueles planos aproximados do vaivém, vaivai e vemvem? Que parvoíce, claro que não sabem. Eu também não sei, mas segundo o documentário, se um actor principal não está firme e hirto na altura do “Acção!”, outro entra em seu lugar e faz os planos que não carecem da cara do personagem. E é isso que gostava que existisse na publicidade. Em momentos que eu não tivesse cheio de pujança, um outro redactor resolveria o bico de obra por mim. Seria uma vergonha claro, mas pelo menos não se afectava a qualidade e o prazo do trabalho. Porque acreditem, é difícil estar sempre inspirado. A pressão é muita e talvez por isso, a criação publicitária é referida como a segunda profissão mais stressante do mundo. Perde apenas para os controladores aéreos que, a meu ver, são uns grandas meninos. Só têm de olhar para um monitor com aviõezinhos e dizer: “Hei! Oh tu da TAP185, vira um niquinho pra esquerda e segue esse corredor que os Varig’s deixaram livre.
Perder o tesão é dramático. Sem tesão as coisas não acontecem e se não acontecem começamos a questionar as nossas capacidades. Ficamos deprimidos, cabisbaixos, com problemas existenciais. Como ainda não inventaram o Viagra da criatividade, temos que nos amainar com uma espécie de revistas e sites porno de publicitário: Archives, Anuários, AdForum e outros meios da especialidade que conseguem acender algum do fogo por ideias tesudas. Outra solução é resolver aquele briefing da melhor forma possível, usando os dedos e a imaginação, e rezar para que o próximo briefing nos devolva o sentimento de garanhões. Esse sentimento viril que nos reveste da capacidade de bolar uma intensa sessão criativa. Duas, três, quatro campanhas de seguida e todas dignas de figurar no Kamassutra ilustrado da publicidade. Quando isso acontece, depois de carregado o +P para imprimir, sentamo-nos na cadeira, fumamos um cigarro e pomos um sorriso estúpido na cara. Três horas depois somos informados pelo account de que afinal, não foi tão bom para o cliente como foi para nós.
Mas enfim, aos olhos da sociedade a vida de um publicitário continua a ser invejável como a de um actor porno. Eu acho melhor a de publicitário. Passo os dias a fazer a segunda melhor coisa do mundo – criar - e jamais vou cansar da primeira.
Agora com a vossa licença tenho de me retirar pois a Nicole está em cima da mesa à minha espera.
– Estou indo gatxinha! I’m coming!... What?! No, not coming. Going, going!
*De Hugo Veiga, redactor publicitário da McCann São Paulo

1 comentário:

escola de lavores disse...

Honestamente, acho que não há razão para censurar. Eu odeio piadinha fácial recorrendo à muleta sexo. Mas até acho que estes trocadilhos em concreto fazem todo o sentido. Confesso que não acho o texto mesmo-mesmo genial, brilhante. Porque a abordagem não é asim mesmo-mesmo daquelas surpreendentes. Mas está muito bom e não choca nada.

Força, Hugo! Hoje também precisava que este meu texto que tem de sair fosse um Brad Pitt, mas é apenas um Tom Cruise :(