Com o passar dos anos há coisas que deixam de ser feitas. Os oitenta e muitos de Salomé abrem receios na rotina do dia-a-dia. A rua que sempre ali esteve, mesmo à beira da porta, já só a consegue descer. De regresso a casa, sobe pelas escadas um pouco mais adiante. Choraminga por agora ser assim. Por agora não conseguir subir a rampa quando todos os dias sem excepção o fez. Digo-lhe que não tem importância. Na cozinha, chora mais uma vez ao lembrar-se que as loiças em cima dos móveis, quase a tocar o tecto, não são limpas há tanto tempo. Também não tem importância, digo-lhe mais uma vez… Mas o choro persiste e são as saudades misturadas com a impotência que falam. “Antigamente, o meu marido subia ao escadote e passava-me, uma a uma, as loiças para eu as lavar. Agora tenho medo de subir ao escadote. Sempre fizemos isso os dois”. Há coisas que deixam de ser feitas não tanto pela impossibilidade das mesmas, mas simplesmente por já não fazerem sentido (penso).
Ainda assim, Salomé mantém a renda - “um pontinho aqui e outro ali” -, o bolo e o chá para o lanche, o cabeleireiro que também já só atende por marcação, a desconfiança de “quem será” quando se ouve a campainha. Mas também a genuidade e um coração enorme… apesar de um pouco mais sozinho.
sexta-feira
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1 comentário:
é triste e comovedor, Ana... mas nós não chegaremos a essa idade.
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