quarta-feira

Dos dedos ao cérebro

A ideia de que a internet torna o jornalismo obsoleto, em meu entender, não faz qualquer sentido. Começando pelos directos, acho que quem tem como missão informar tem o dever de começar pelos factos, neste caso, pelo discurso. Não pode, no entanto, ficar por aqui. Deve enquadrar, interpretar, descodificar e possibilitar o comentário plural. Cavaco Silva (já que é dele que estamos a falar) nunca gostou dessa mediação jornalística. Ele próprio já confessou que, quando era primeiro-ministro, a sua estratégia de comunicação sempre passou por tentar falar directamente aos eleitores, ultrapassando a mediação jornalística. Dez anos depois, as novas tecnologias deram-lhe os instrumentos que então lhe faltavam. A sua presença na net é muito intensa, desde que se lançou na corrida presidencial. Actualmente, a página da presidência é praticamente a única fonte de informação de Belém. Agora, Cavaco está igualmente no twitter, essa nova moda que se propõe dar a conhecer tudo o que todos estão a fazer num momento preciso. E, apesar de tudo isto (ou por causa de tudo isto) temos a presidência mais opaca de que há memória.

A net, o google, os blogs e demais ferramentas dão a ilusão de um mundo acessível à ponta dos dedos. Hoje, é mais fácil do que nunca ter acesso a um contacto com alguém e, no entanto, os jornalistas falam cada vez menos com as pessoas. O que está na net, aparentemente, chega para fazer a notícia. Acresce que, a avalanche de informação é tal que se torna quase impossível distinguir o verdadeiro do falso, o importante do negligenciável. Quando os próprios jornalistas se resignam à presença da mensagem na net, vence essa teoria de que cada um pode fazer a sua própria informação.

Quanto à ideia de que as transmissões televisivas só servem para mostrar o cerimonial, penso que mesmo que fosse só isso já teria alguma importância. A democracia faz-se também de cerimoniais. Os cerimoniais dos debates parlamentares, os cerimoniais dos congressos partidários, os cerimoniais das inaugurações. Talvez devamos ser mais selectivos e mais críticos relativamente à forma como tratamos jornalisticamente esses cerimoniais. Não me parece sensato reduzí-los todos a meras encenações sem sentido.

2 comentários:

susana disse...

Eu não acho que a internet torna o jornalismo obsoleto mas julgo, sem duvida, que o transforma. Concordo com o que dizes sobre o PR."Talvez devamos ser mais selectivos e mais críticos relativamente à forma como tratamos jornalisticamente esses cerimoniais", dizes tu. Pois, eu acho que o problema dos directos é esse. Porque como estamos a fazê-los normalmente - reduzindo o directo aos discursos -não me parece que seja um bom serviço jornalistico.

Rita Maria disse...

Aqui vai uma opiniao: de certa forma, os políticos podem sempre decidir informar os cidados que procuram directamente informaçoes sobre eles. Sempre puderam e podem especialmente desde a Internet. Todos esperamos que a Presidência da República tenha um site e que esteja actualizado. Que esta aposte depois noutros canais igualmente destinados a quem procura obter deles informaçoes directas muda muito pouco, tirando talvez dar-lhe um ar avançado.

Isto nao muda em nada a funçao do jornalista nem o substitui, já que a funçao do jornalista é decidir da importância e substância de uma informaçao, nao apenas a de a disponibilizar. Mais, o trabalho do jornalista é dar as informaçoes que nao sao dadas directamente pelos políticos e contextualizar as que o sao.

Evidentemente, para as pessoas que procuram apenas ser informadas das posiçoes de X ou Y, este serviço dos políticos compete com o jornalismo, mas cabe ao jornalismo tornar-se necessário, mostrar que aquilo que poe a descoberto, as suas análises, reportagens e contextualizaçao, fazem a diferença. Que eu devo ler o jornal em vez de pesquisar no Google aquilo que me interessa é algo que o jornalismo tem, e tinha já mesmo antes dos Twitters e dos blogues dos políticos, de me provar.

Em resumo: que os políticos sejam mais abertos e transparentes é tudo menos um atentado à democracia. Se o jornalismo nao descobrir apesar desta pretensa abertura um caminho e um espaço para continuar vivo, isto é um atentado à democracia.

Sem horizontes nublados: afinal, com tanta informaçao e desinformaçao a circular, o jornalismo é mais importante do que nunca. E talvez venha a ser feito por cada vez mais pessoas, cada vez mais numa espécie de inteligência colectiva.

O que nao será mau, apenas diferente.