sábado

"Quanto mais me bates, mais gosto de ti"

É 1h50 e a cena que acabei de assistir da minha janela foi decadente. Na verdade, já estava deitada, quase a dormir mas os gritos de uma mulher fizeram-me levantar e corri a espreitar à janela, de forma discreta. Uma mulher, provavelmente na casa dos 30 ajoelhada no chão... tinha a própria t-shirt puxada para cima a tapar-lhe a cara. Um homem em tronco nu batia-lhe, chamava-lhe nomes e ela gritava. A realidade nua e crua, mesmo aqui à porta como nunca tinha acontecido. Pelo que percebi eram marido e mulher. Ele estava bêbado. Os vizinhos desse prédio vieram à janela, mas poucos. Um casal de idosos aparece em trajes menores... eram os pais do dito homem. Pelo que percebi devem viver todos na mesma casa. Agarraram na rapariga e levaram-na para dentro. Ele continuou com os insultos em voz alta. Foram cerca de 40 minutos assim. A polícia chega por fim. E aí acontece o inacreditável. São três agentes da PSP. Perguntam o que se passa, mas a bebedeira é grande demais. Como por artes mágicas, um dos polícias fica a sangrar do nariz. Os velhotes entram em pânico, sobretudo a senhora e em camisa de noite põe-se entre o filho e os polícias, também a gritar, a pedir para não lhe baterem, para o deixarem em paz... enquanto isso, o homem continua a dar pontapés, continua descontrolado e a polícia a não conseguir fazer o seu trabalho. Quando penso que nada mais pode acontecer, a rapariga sai porta fora e atira-se para o chão, para cima deles. "Não lhe batam... não quero que lhe batam, não lhe façam nada"... isto numa voz chorosa e suplicante.
Nesta madrugada fiquei confusa. Tive pena da PSP que teve a maior paciência do mundo e não espancou o homem até não poder mais, até ao momento em que não tivesse forças para dizer nem mais uma palavra... que era aquilo que, se pudesse, teria feito. Tenho as mãos a tremer. Há coisas na vida que nunca vou compreender. Será que o amor justifica todos os meios? O amor de mãe? O amor carnal? Nunca vou aceitar isso. Aqui, à minha frente, foi o "quanto mais me bates, mais gosto de ti". Estou desolada. Não sei a que horas vou conseguir dormir... ainda bem que tenho a Escola.

4 comentários:

Woman Once a Bird disse...

Concordo, é um grande post.
sobre o assunto, não me parece que alguma espécie de amor justifique comportamentos destes... parece-me que carregamos exaustivamente séculos de sociabilidade que se pautava por estes termos. "Ainda não nos é possível falar de amor..." (Novas Cartas Portuguesas, cito de memória).

escola de lavores disse...

Continuo a pensar no assunto... o que fez os velhotes protegerem tal comportamento? Apenas por ser seu filho? Vai ficar ao critério da imaginação de cada um. Mas, tal como o cardela questiona, filhos que já nascem em ambientes perturbados, filhos que desde sempre viram o pai a bater à mãe só podem encarar essa atitude como algo completamente normal... (ou não?) Até porque existem sempre razões para o fazerem... "se levaste é porque estavas a pedi-las..."; "porque é que o jantar não está pronto?"; "eu bem vi que estavas à janela..." Estas mulheres perdem a auto-estima, perdem tudo... só fica mesmo eles.

escola de lavores disse...

As pessoas não gostam de rupturas. Mudar qualquer coisa iria implicar o trabalho de se re-adaptar.

Estas famílias vivem desta forma violenta há várias gerações. Estas mulheres preferem casar-se com alguém mau, mas cujo comportamento lhes é familiar do que com um anjo que as obrigue a desconstruir tudo o que aprenderam até agora.

É uma natural preguiça humana adversa à mudança que faz com que levem nos cornos (perdoem-me a expressão, mas apetece-me mesmo-memso dizê-la) e ainda chorem por mais.

Não tenho pena nenhuma de quem se queixa, mas não faz nada para mudar. Seja sobre que tema for. Todos os dias fazemos a cama onde nos deitamos.

Também há quem se esforçe. E essas sim merecem que ponhamos as mãos no fogo para as ajudar.

João Melo disse...

bom post...